Publicações

Cancioneiro Tradicional Mirandês


Reeditada quase quatro décadas após a primeira edição, os registos contidos na obra integram, ainda hoje, o reportório musical dos grupos de música popular tradicional da Terra de Miranda.

A reedição do Cancioneiro Tradicional Mirandês visa a preservação e recuperação da memória da tradição oral musical, fundamental para a manutenção da cultura popular, num projeto com uma visão mais abrangente do património musical, no qual convergem tradição e modernidade.

O projeto de cooperação transfronteiriça, designado coloquialmente por Raia-Raya, elege como tema comum a música e aposta na recuperação, conservação e valorização do Património Material e Imaterial relacionado com a música tradicional e popular do Planalto Mirandês e da província de Zamora-Espanha.

Uma voz comum

“A edição fac-símile do Cancioneiro Tradicional Mirandês é uma das ações inscritas no projeto Termus – Territórios Musicais, iniciativa de cooperação transfronteiriça financiada pelo INTERREG V promovem esta iniciativa, a Direção Regional de Cultura do Norte, através do Museu da Terra de Miranda, em Miranda do Douro, e o Museo Etnográfico de Castilla y León, em Zamora.

O projeto incide sobre um património cultural comum que revela o quão fáceis de atravessar são as fronteiras, mesmo aquelas que, geograficamente, podem representar obstáculos assinaláveis ou as que a história política e administrativa consagrou. A cultura é sempre aprendida, transmitida e partilhada. Isto mesmo o provam as afinidades culturais entre o planalto mirandês e a província de Zamora.

O projeto Termus tem-se dedicado à investigação, recuperação, conservação e valorização do património material e imaterial relacionado com a música tradicional e popular, com a memória oral e sonora de uma região, com o que, afinal, podemos definir como a voz das suas comunidades.

A publicação do Cancioneiro Tradicional Mirandês, paralela à do Cancionero Zamorano, permite fixar essa voz, divulgá-la e conduzir, assim o esperamos, à sua apropriação e uso pelos criadores contemporâneos, garantindo os circuitos de transmissão inerentes ao património”.

Laura Castro, Diretora Regional de Cultura do Norte

  

Cancioneiro Mirandês a alma do povo

A presente edição do Cancioneiro Tradicional Mirandês reporta-nos para um período importante e profícuo no que concerne a registos e levantamentos etnográficos, levados a cabo um pouco por todo o país, nas décadas de sessenta, setenta e oitenta do século passado, e sublinha o papel de António Maria Mourinho[1] enquanto etnógrafo e a sua importância para a consolidação da etnografia e da antropologia na região da Terra de Miranda, bem como o importante trabalho de recolha desenvolvido por Francisco Serrano Sequeira Baptista[2] publicadas no segundo volume desta edição.  Apesar dos trinta e sete anos que medeiam entre a primeira edição e a presente, verificamos que grande parte dos registos nele contidos integram, ainda hoje, o reportório musical dos grupos de música popular tradicional da Terra de Miranda. Este Cancioneiro apresenta-se estruturado em vários temas, nomeadamente:  música popular e religiosa, dança e coreografia, com fortes entrosamentos em temas como a poesia as canções dos serões, dos fiadouros, das mondas, das ceifas, das trilhas, dos cardadores e de embalar. Trata-se de um levantamento que versa sobre o riquíssimo campo do património imaterial mirandês, em referência  no seu Cancioneiro tradicional, cabendo-lhe a capacidade de nos transportar para um contexto cultural e linguístico através da voz de homens e mulheres desta região, que nos remetem para vivencias e modos de vida que espacialmente e temporalmente evocam o tempo longo[3] da Terra de Miranda.

António Maria Mourinho fundador do Museu da Terra de Miranda, era um homem atento à cultura da região, às atitudes e aos modos de viver neste território. Era sua convicção que as características próprias e resultantes da convergência de um conjunto de fatores físicos e humanos dotavam esta região de uma singularidade cultural. Por tal, consideramos que a publicação destas recolhas preserva e recupera a memória da tradição oral musical, fundamental para a manutenção da cultura popular.

Deste modo, é graças ao Projeto Territórios Musicais – TERMUS financiado pelo programa INTERREG V-A – POCTEP Espanha-Portugal, que se torna possível esta edição fac-similada do Cancioneiro mirandês, por ora repartido em dois volumes, cabendo simultaneamente nesta iniciativa a edição, também em fac-símile, realizada pelo Museo Etnográfico de Castilla y León de dois volumes do Cancioneiro de Folklore Musical Zamorano de Miguel Manzano Alonso. Trata-se de um projeto de cooperação transfronteiriça que acolhe como tema central a música de um espaço geográfico comum, designado coloquialmente por Raia-Raya, sendo a música o ponto que nos une e cujo objetivo se revê na recuperação, conservação e valorização do Património Material e Imaterial relacionado com a música tradicional e popular do Planalto Mirandês e da província de Zamora-Espanha.

Esta iniciativa é promovida pela Direção Regional de Cultura do Norte, através do Museu da Terra de Miranda e do Museo Etnográfico de Castilla y León, para além de reforçar os laços que unem Portugal e Espanha, abraça uma série de ações desenvolvidas no campo musical. Além disso, permite realizar uma recolha e levantamento sistemático no terreno, no sentido de difundir os testemunhos orais que preservem a solidez da memória sonora deste território e a sua diversidade cultural.

Acreditamos que este projeto vem ancorar uma visão mais abrangente do património musical no qual convergem tradição e modernidade: a tradição associada à memória e à herança cultural musical e a modernidade associada à normal evolução, adaptação e reinvenção das comunidades locais. Neste conspecto incluímos a edição destes dois volumes, considerando uma mais valia, quer para objetivação deste projeto, quer para sublinhar a importância da salvaguarda das memórias musicais e etnográficas da Terra de Miranda.

Na presente edição fac-similada foram assumidas ligeiras opções editoriais no sentido de uniformizar e harmonizar informações técnicas que se prendem com atualização de dados da publicação e imagem gráfica da capa. Por outro lado, desejamos que a curto prazo se concretize a publicação do terceiro volume do Cancioneiro, o qual incorporará uma outra fase de trabalho e recolhas musicais realizadas por António Mourinho nos anos noventa. Além de podermos concretizar este seu desejo pretendemos, ainda, que o terceiro volume venha completar um processo de trabalho no campo da música popular tradicional.

Por fim gostaríamos ainda de endereçar um especial agradecimento aos familiares e herdeiros de António Maria Mourinho, os quais gentilmente autorizaram a presente publicação e sem a qual não seria possível a sua realização.

Celina Pinto – Diretora do Museu da Terra de Miranda

[1] António Maria Mourinho (1917-1996), fundador do Museu da Terra de Miranda.

[2] Serrano Batista nasceu em Castelo de Vide a 21 de setembro de1909. Licenciou-se pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra em 1933. Em 1937 toma posse para o desempenho das funções de Chefe da Secretaria Judicial da Comarca de Miranda do Douro.

[3] Vd. Oliveira Baptista Fernando. Declínio de um tempo longo. In,O Voo do Arado, Brito. Joaquim Pais de. e outros (Cords.) Lisboa: Museu Nacional de Etnologia, 1996. 664 p.